Almoçando com dois gênios

Que saudade desse Brasil que era capaz de parir gênios como o Aldir Blanc e Maurício Tapajós.

Esse álbum, do início da década de 80 do século passado, demonstra o quanto que o processo de reabertura política precisa ser ainda revisitado, resignificado.

Poderíamos aprender, entre outras coisas, algumas pontas soltas que, com o passar do Pacto Federativo de 88, vemos como as causas do ruína atual onde nos encontramos.

Óbvio que não explicaria tudo.

As massas, vez por outra, como o Freud sinalizou gostam do porrete repressor. Vemos isso no seu “Psicologia das Massas” e, principalmente, com o aprofundamento realizado por Reich, no recorte sobre a turba fascista em seu “Psicologia de Massas do Fascismo”.

O mesmo tema é resgatado por D&G — Guattari e Deleuze, em dois platôs do incrivelmente atual ” Mil Platôs” — onde vemos que existe não um engano, um ludibriar das elites perante as massas mas sim, e isso é apresentado de forma didática por D&G, quando exploram a tese de que vez por outra, em determinadas condições específicas, nós buscamos, nós desejamos por regimes duros, ditatoriais e quem flertem de maneira mais aguda ou não com a modos de ser calcados na obediência, na política do “mais impostos menos pão”.

Mas, para além do momento sócio político atual, transcendendo e deixando o belo adentrar em nós, o álbum da dupla é duplo, com um trabalho gráfico impecável no encarte existente na obra. Ilustrações de Jaguar, de Chico Caruso, etc bem como texto de gente da estirpe do Tarik de Sousa. Ao todo foram — entre ilustradores e escritores — vinte artistas envolvidos.

As letras, por mais exagerado que isso venha a soar, absolutamente todas são um primor.

Essa qualidade — minha tese, não precisam acreditar, conta e risco meu — é um indicativo da grande afinidade musical entre ambos mas, o compartilhamento de visões de mundo em relação tanto ao papel do artista nas lutas de classe vigente na época bem como nas escolhas rítmicas — também sob a batuta do Radamés Gnattali — na crença no bolero, no samba, como pilares construtores da canção popular.

Enfim, uma parceria genial.

Dentre as vinte músicas, particularmente gostei muito de “A Louca”, “Querelas do Brasil”, “Entre o Torresmo e a Moela”, “Colcha de Retalhos”, “Falha Humana” e ” Sai da Frente Brasil”, músicas que são tidas como clássicos do cancioneiro popular.

Obviamente destaca-se a brilhante execução dos músicos arrolados neste trabalho. Alguns deles: Geraldo Flack, Marco Venicio, César Mariano, Nelson Macedo, Nelsinho, etc.

Ao todo foram, segundo relatos do Maurício Tapajós, que consta na contracapa do disco, setenta músicos.

Uma pena que nos atuais programas/aplicativos de escuta (Amazon Music, SoundCloud, etc) não possuem esse disco.

Acredito que isso aconteça porque achar quem seja o responsável pela S.A.C.I (Sociedade de Artistas e Compositores Independentes) a produtora fonográfica da obra, é algo praticamente impossível. Essa mesma produtora foi responsável pelo único álbum solo do Maurício Tapajós, o “Olha Aí”.

No YouTube é fácil encontrar o álbum ” Rio, Ruas e Risos” que é um disco com canções dos dois Lado B dos dois discos do ” Aldir Blanc – Maurício Tapajós”. Provavelmente deve ter sido uma tentativa de deixar a coisa um pouco mais em conta.

Segue o link de uma das canções do álbum

Ao final, já que a sensação que tive ao escutar milhões e milhões de vezes esse disco é a mesma, deixo em negrito a frase do Tapajós que consta na contracapa do álbum.

[…] Aliás, esse é um disco brasileiro. De matéria prima ao comércio. Tudo é nosso. Tudo é de brasileiros. Da primeira a última faixa falamos, cantamos brasileiramente. Aldir e eu acreditamos e lutamos continuamente por isso: ainda é possível ser brasileiro.”

Obviamente que essas n+1 vezes, que deixei o disco rolar sob os auspícios da cândida agulha , é também fruto dessa dor de quem tem é eivado pela perda de um parente — esses caras da MPB são nossos parentes generosos , aqueles tios conselheiros que toda família possui… Eles formaram e continuarão a (des)formar milhões e milhões de habitantes da língua portuguesa pois, suas obras são eternas.

Por mais que tente transcender tudo que acontece, transcender todo esse “de fora” com o belo das canções desse álbum superior, ou mesmo com outros álbuns que foram realizado nesta mesma época, é humanamente impossível não ficar com esse colar de espinhos pendurado no peito, diante da incredulidade com o passamento, — da forma cruel que foi, brasileiramente cruel e como acontece com as frações mais vulneráveis do povo — do meu herói_cronista, daquele que eu, no mundo fantástico do meu apartamento, conversava horas e horas, do meu querido Aldir.

Por mais que isso pouco importe no momento, fisicamente foi embora o melhor letrista — mesmo que o cânone crítico não vaticine isso — da MPB após Bossa Nova, após o surgimento do Vinicius de Moraes.

Vida longa a Maurício e que a terra seja leve com o Aldir.

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