Todas as cidades são belas, com suas singularidades, seus encantos e mazelas.
Mas, singularidade por singularidade, algumas cidades são irremediavelmente impressionantes.
Conheço uma dessas cidades bem de perto.
Todo dia, mesmo em dia chuvoso como o de hoje, ela gosta de seduzir, bem aos pouquinhos quando, em nosso peito, traz confete e serpentina com suas esquinas, cheias de encontros inesperados —risos ou acarajé com coca-cola ou uma fofoca/resenha qualquer, daquelas de final de tarde que alguém conta bem devagarinho.
Mas, apesar de todas as cidades serem as mais belas do mundo, só em uma delas, só nela, na Cidade da Bahia, SSA, Roma Negra, São Salvador, você poderá — sem marcar horário— sentir as forças cósmicas caminharem em pleno sol de um Domingo qualquer.
Pode ser alguém em uma novena de Santo Antônio ou dando um passe em algum Centro Espírita ou “tirando um encosto” em alguma igreja “neopentecostal” — que, aliás, é sempre bom falar um pouco mais sem romantizar a cidade encruzilhada que somos.
Nesses avivamentos religiosos do pessoal das igrejas bonitas e com seus canais de televisão, nessa sua luta —sem sal— contra o tal “diabo” cristão —aliás, são engraçadíssimos, desaforados, cantam, mexem com a libido das mulheres, tentam o pastor a ficar com o dízimo, etc — usam e abusam do transe, da experiência do corpo e de vários elementos da cosmogonia afro brasileira e ameríndia.
Mas, nessas cínicas idiossincrasias da nossa cultura, passam da fé remix, que culturalmente bebe na fonte afro ameríndia para, ao mesmo tempo, caminharem como terroristas, na sua “intolerância” religiosa que destrói fisicamente terreiros, violam objetos sagrados e, principalmente, tratam tudo nosso, da matriz afro-brasileira e ameríndia, como “coisas do diabo”.
O pior que nem temos no nosso sistema de signos isso. Somos bem mais sofisticados.
Mesmo assim e apesar de todos os pesares, de sua cruel desigualdade, da sua miséria social, do seu racismo —simbólico, estrutural e no cacetete/metralhadora da PM— Salvador ainda é a cidade onde a emergência de uma síntese cultural impossível, continua, insistentemente, sendo generosa conosco.
Arroboboi, Ògún ieé !!
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