Minas, 1975

“Hoje não passa de um dia perdido no tempo…”.

Miltão em Beijo Partido, no antológico álbum Minas cantarolando sem parar aqui no pé dos meus ouvidos, meus laptops rodando e minha xícara de café. 
É isso. 
Chuva danada lá fora, uma pandemia global que assusta toda a humanidade, tudo muito escuro e  aqui, no meu quintal, um orixá vai sussurrando  em mim (vocês já ouviram Milton Nascimento em Ponta de Areia, nesse disco?) alguma coisa inexplicável, como um doce abraço de alguém desconhecido  mas, e ao mesmo tempo, um gesto, um abraço sincero de pai e mãe.
Ainda não compreendi muito bem o que tem levado as pessoas a toda essa reticência em achar chato essa quarentena por causa do COVID – 19
Entenderia isso advindo das classes com maior grau de precarização socioeconômica, pela obviedade da possibilidade da perda dos exíguos “empregos” ou outras formas modernas de sub sobrevivência dos atuais condenados da terra
Porém,  ver esse desespero da classe média e classe média alta, que são aqueles que tenho contato, demonstra o grau de escárnio que essas pessoas tem diante de si quando olham no espelho da sua depauperada (in)existência
Sempre, desde que vou puxando da memória mais longínqua, lá longe longe, na adolescência consciente (1998 em diante), lembro de ficar assim das 02:00 da manhã em diante, ouvindo sem parar os CD dos meus pais que ficavam na sala. 
Não deixaram castelos, casa de praia, barras de ouro mas, vinis e cds do melhor da MPB.
Lembro que nessa época, cada movimento do meu corpo era extremamente bem calculado, os milímetros eram vencidos passo a passo, pisando macio no freio para não acordar ninguém.
Obviamente que meu utensílio obrigatório, dia após dia, era aquele fone de ouvido imenso, com a fiação espiralada até o conector P10 e todo esculhambado, com a conexão toda remedada é que toda hora eu tinha que apertar com fita isolante para não perder um dos lados da saída de áudio. 
Era um amanhecer beijando e deglutindo bem devagarinho a régua e compasso de Raul Seixas e, principalmente Caetano Veloso. Chico, Gil, Roberto Carlos, Jards, Milton, Tom Zé, Jobim, Queen of the Stone Age, Bethânia apareçam bem bem depois.
Esses dois foram os Vice Reis da minha caixola por muito tempo. 
Também, além dos Cds, tinham as fitas que meus amigos Tasso e, notadamente Marcelo, lá do inesquecível  CEFET – BA, trocavam comigo. 
Foi assim que fui conhecendo e povoando meu ser com gente como Rush, Nirvana, Pink Floyd e Rage Against the Machine. 
Vagando mais ainda, foi ali, nesse ponto da minha história que, ali, alone alone, naquela especial loja da Aky Discos, nessas andanças a pé que sempre gostei de fazer por Salvador, na inóspita (para pedestre andarilho) Avenida Juracy Magalhães, quase na entradinha do Horto Florestal/Embasa, que o acaso e a beleza da arte da capa, me fez levar OK Computer, do Radiohead pra casa.
O finalzinho da madrugada sempre foi pra mim um bálsamo e uma tenra mentira pois, tinha que dia após dia voltar 20 minutos antes, até minha cama, no quarto que dividia com minha avó, para que minha mãe não soubesse que eu, assim como ela e minha avó, tinha uma baita insônia, mesmo que essa fosse positiva.
Espero que todos possam experimentar essa possiblidade de refazimento, de reflexão e amor a si.
Ps: Minha avó ficava sabia de tudo mas ficava calada, só saboreando saber que seus genes estavam ali presentes.

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