Se existe uma lição aprendida com 2013 é que se a esquerda ou as forças progressistas não possuem um projeto de poder, um projeto de tomada de poder, de captura do poder de mando das engrenagens estatais, é melhor deixar quieto.
O que aparece, após os tensionamentos, após as nossas ações de conjuração do status quo vigente, é um novo rearranjo de forças políticas que será pior para nós, o povo brasileiro.
Estamos, no final das contas, de 2013 pra cá, dançando e rolando, em um caminho ladeirado, ao som da célebre poema de Ezra Pound (Canto I) musicada por Jards Macalé no seu ótimo álbum Besta Fera :
Chegamos ao limite da água mais funda
Achamos que vai melhorar, que alguém vai subir no cavalo branco do Lula mas, dia após dia, estão moendo o pouco que resta do tal — que poucos de nós tínhamos acesso pleno — Estado Democrático de Direito.
Pode parecer pouco, uma verdadeira nota de rodapé, perdermos essa “esfinge” garantidora de direitos, deveres, ritos… Visite uma delegacia, um hospital e você verá que sentirá falta desse fantasma esfinge.
O estranho é que a sensação — em cada discurso do Temer, em cada achincalhamento do Bolsonaro, em cada falta de rumo da esquerda — é que o limite da água funda do modernista Ezra Pound nunca vai chegar.
Cadê o alçapão do fundo desse buraco minha gente ? Cadê papá?
Por isso, é o caso de avaliarmos, de realizar um lenta e luminosa ponderação de que estamos mergulhando nas Fossas Marianas do Brasil.
Como escafrandistas que aprenderam a mergulhar em aquários — aquários das fábricas progressistas do Rio Vermelho (SSA), da Vila Madalena (SP) ou Cidade Baixa (POA) — vamos, minuto a minuto, passando a mão nos óculos de mergulho para testar se esse Brasil Brasileiro — que ama Deus e espanca as mulheres, que matam travestis, que usurpam a esfera pública em prol da esfera privada dos seus interesses, que assassinam ao léu a juventude negra, que cala a boca da imprensa “livre” — vai sumir.
Alguns, os humanistas sem humanidade, ainda crêem que esse mar não é fruto do nosso ventre, que é um mar criado pelo Bolsonaro e sua claque ou, quando muito, é um mar dos rycos, do povo da Casa-grande.
A senzala também aprendeu a usar o chicote nos seus meu filho… Ajeite aí sua máscara, regule aí direitinho o seu cilindro de oxigênio que temos muitas léguas de lama viu.
Por isso, diante de um mar revolto e por demais desconhecido, o mais recomendado é navegar.
Navegar neste rebotalho até onde der, mergulhar até onde a garrafa de oxigênio consiga nos levar e, com zelo e amor a sí, subir pra superfície e respirar. Só volte se esse for o desejo e/ou necessidade pragmática.
Enquanto isso, vamos lá pescar o arrenque possível, colocando limão, sal e, devagarinho, deixando a iguaria no fogo. Corpos cansados e bocas tristes, no final de todo processo nunca deixam de saborear o que temos no prato. Esse é o perfume da sobrevivência.
Nessa pausa, pra comer, pra ler, pra ouvir uma canção, é sempre tempo de (des)encontro, de celebrar o relembrar das velhas pescarias — da força que tínhamos puxando coletivamente nossas redes, das risadas, das pequenas vitórias materiais, do mundo de alteridades que construímos em uma década.
Nessa dança de celebração da vida de outrora fatalmente iremos confabular novas geografias de sonhos, que apontem cardumes melhores. E serão esses cardumes que farão a gente desejar pescar com mais firmeza, com alegria e na emergência do risco.
Talvez, com sorte e certo acaso, alguma dessas confabulações, costuradas sozinhas ou em grupo vão , na hora derradeir hora, parir bando, falanges de risonhos conjuradores dos maiores arrenques, até mesmo daqueles que teimaram em querer capturar nossas melhores canções.
É tempo de preparar o barco, o escafandro e os mantimentos. A hora da longa travessia do deserto vai chegar, tá na portinhola do Clube Militar.
Mas, nada de desespero.
Criamos o Samba, o Carnaval e esse nosso jeito de encarar o mundo, depois dos tumbeiros, dos chicotes, dos degredos e do roubo das terras do que aqui moravam.