Iyagba do meu espaço íntimo ou as outras partes da minha geografia

Ontem passamos de mil mortes.

Apesar da morte ser a certeza maior, fico aqui, com certo pudor, em falar de qualquer assunto, ainda mais quando os mandarins do momento não expressam qualquer traço de piedade, de solidariedade para com os nossos mortos.

Nada, absolutamente nada neste momento, pode ser mais importante do que o respeito ao luto — seja ele como seja— das pessoas que amavam esses mil seres vivos e, infelizmente, o mar vindouro de mortandade e, obviamente, de mais e mais luto.

Contudo, a morte fazendo-se tão presente, a morte assim desse jeito, sem pudor de andar mais perto de cada um de nós, faz uma espécie de dobra, de certo movimento que é o avesso desse assombroso 2020.

Pra mim, esse contrário é — e peço desculpas por esse meu egoísmo— junto com a nossa cultura popular, as amizades e meu denguinho, o corrimão onde tenho pousado forte a minha mão.

Essa dobra mostra o seu contrário e sua fresta, que da morte é a vida, a vida encantada.

É esse tipo peculiar de vida e a crença visceral nela —antes de qualquer Fora Bolsonaro, antes de qualquer translação coopernica rumo a uma rotina mais cuidadosa consigo mesmo, de uma filosofia política mais gregária, de participação real—  que deve ser a nossa geografia vindoura.

Se a morte é certa a vida precisa, por retórica adversa dessa própria construção textual instagraniana, ser jocosamente incerta, sem eira nem beiral, com suas curvas/subidas/descidas, de trajeto longo mas, com certas paradas, em certas paragens.

A geografia deve impor certo parar, daqueles aos quais ficamos delirando enquanto o fundo da paisagem carrega suas pulsões na gente. Os subúrbios dos mapas e maneirismos dessa jovem geografia crítica vai possibilitar que eu e você possa cravar os nossos olhos na beleza dos nossos abismos para, quem sabe, ter a real capacidade para fitar, de soslaio, as encostas e lajedos à frente.

E a cada dia de eterno aprendiz, de estudante desse geografar peculiar, vamos devagarinho, emulsionados no Tempo pra que ele mesmo, o Tempo, coloque suas mãos nos nossos ombros enquanto deixamos o pé e o restante do corpo no presente, bem quieto, olhando tudinho e com pressa de rir ou chorar OunadaOutudo.

Por isso, entoarei a uma das minhas geografias.

Vovó, Dona Mirinha, fará 97 no próximo mês. Apesar de já ter visto de tudo, continua ali, no seu cantinho, lendo. E assim, devagarinho, transpõe as limitações do corpo, da mente, da senilidade e de todas as outras âncoras que deve enfrentar no seu espaço íntimo.

Vida Que Escolhe Viver!

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