Conversando com os meus

A única saída mais sensata é rir, centralizando a vida na teatralização da mesma, criando, quando possível, espaços íntimos de hospitalidade. Esse viver melhor, na esfera do íntimo vai possibilitar uma caminhar que possa, da porta da rua em diante, lá fora, bem devagarinho, experienciar ações de hospitalidade, de convivialidade na esfera da vida e na gestão das nossas cidades.
Mas, com 57 milhões de pessoas com uma crença persistente, com uma crença  fortíssima em um Salvador da Pátria, de centro esquerda ou de direita proto fascista (ou fascista), fica difícil crer em espaços comunitários de uma vida citadina com mais doçura.
Mas, muita água há de rolar ribanceira abaixo até que cheguemos nesse porvir de fora…
Acabo por falar disso pois, esses tempos de Tarifa Zero, vivendo meia década pertinho do gueto, pertinho de quem está construindo a luta nas camadas mais vulneráveis, o buraco é quente e bem bem bem mais embaixo do que imaginamos. 
A reprodução dos anseios da casa grande entre nós (a classe média letrada) e entre os mais precários é algo pujante e visceralmente presente em todas as esferas do modo de ser e de viver da nossa gente. 
Romper com isso, com toda essa lógica, só ocorrendo um mundo distópico como esse abnormal que estamos a experimentar desde o dia 13/03/2020. Contudo, salvo a situação piorando ainda mais, o norte ético será a barbárie mesmo e ponto final. Em alguns lugares do mundo periférico, como as regiões no entorno de Manaus, isso já está a ocorrer.
Por lá, em 10 dias não irá existir mais urna funerária, caixões.
Por isso, ficar muito preocupado, muito preocupada com o que vai ocorrer, com o que será esse novo normal, é a pior ação que a gente pode ter. 
É ter calma pra sobreviver, viver um dia de cada dia, cuidando da saúde mental, da saúde financeira e seguindo em frente, é ainda o melhor caminho.
Nosso antepassados fizeram assim e ainda tiveram tempo de construir um legado de dádivas (samba, favela, feijoada, candomblé, carnaval, umbanda, tropicália, o drible do futebol, bossa nova, quilombo, recôncavo baiano, etc) para que a gente tivesse régua e compasso para alcançarmos mundos melhores do que o que eles e elas viveram. 
Talvez, essa sensação, essa alteridade negativa seja por causa do nosso esquecimento. 
No beiral entre 30 – 45 anos, estamos um pouco com a moleira ainda na mocidade, sem lembrar que a cloaca, o desamor, a violência sempre foram os alicerces desse país. 
Os momentos mais “democráticos” aliás, mais suaves, sempre foram efemérides nacionais.
De fato, o projeto colonial ainda continua a caminhar, ao menos seus escombros, entre nós. Idem para a ditadura de 64, que nunca realmente acabou pra quem é pobre. A CF 88 e sua intrincada concertação político-econômica, que começou a ir para o beleléu, lá no no incêndio usurpado de 2013, nem mesmo chegou aos rincões do nosso país. 
Nem a zorra do “fim” da escravidão chegou ainda para muitos de nós.
Mas, indo além, fazendo esse exercício da futurologia da Mãe Dinah, da saudosa Mãe Senhora, sem ter a magia do òpèlè, esse novo normal só vai ser, na minha humilde opinião de politólogo de final de semana, um espraiar do velho normal, do atual cotidiano que já acontecia com os mais vulneráveis de hoje, para as camadas médias. 
A miséria vai subir de patamar e de degrau, pulando mais “pra cima”, inundando o território sócio-econômico onde todos e todas daqui do grupo vivem atualmente. 
Nosso espaço social vai ter o pau, o porrete e a carestia que tinham sumido desde o meio do primeiro Governo FHC, só que acrescidos da sanha de todo esse tempo que ficou contida. 
Assim, teremos o teletrabalho em massa para os profissionais liberais (que em grande maioria somos) tendo corte substancial dos salários, redução da jornada de trabalho com redução absurda dos parcos direitos trabalhistas, redução da influência e poder das entidades de classe. 
Na experiência do morar, teremos  aumento do custo de moradia do tipo de morada que hoje temos acesso, vamos ter que migrar pra outro tipo de casa de pombo.
E aqui, aqui vamos sofrer de montão. O que vai ter de “crise do eu”, de subjetividade rompida, uma tristeza sem fim em cada esquina do mundo hipster, mundo esse extinto.
Nessas horas eu gostaria de ser psicanalista ou algo assim rasteiro… Binho, dermato não vai ser mais o m$lhor das paradas de $ucesso… 
Psiquiatria môpai !!
O poder de consumo não vai mais permitir que a classe média letrada vá ao seu desejado “paraíso”. Os níveis de consumo que hoje, onde temos acesso aos _bens culturais,  à “alta” cultura já foi. 
Esqueçam aquele vinho importado, _os livros da estante virtual, _aquele vinil gostoso, _viagens nas férias, _carro, _educação de qualidade, _plano de saúde… Fodeu e vamos já, com certa urgência, preparando o orì pra essa nova vida velha.
Lembremos que já vivemos assim por muitos anos e que a maioria dos nossos patrícios vivem assim. Aliás, mais sobrevivem que vivem.
O grave da situação é que mesmo com todo esse mundo virando de ponta à cabeça, inclusive  o horizonte revolucionário, avizinha-se. Digo isso pois, tudo muito que assemelha -se a um 1914 global, com o cheiro conjuntural de assim termos a possibilidade de um outro “1917”, nos faltam “os russos loucos” conversando e planejando, em uma Suíça da vida, sobre revolução, sobre um Novo Aeon. 
Todavia, como a esquerda já não existem mais, morremos de morte morrida, vai ter que ser criado, no calor dessa sofreguidão, formas de resistências, de frenagem a sanha do capital. 
Teremos que reexistir e caminhar nesse deserto precário para, quem sabe, “os russos loucos” sejam nosso filhos, filhas, no amanhã de amanhã.
O puro ato de resistir sem reexistir, no sentido corporativista desse pathos, tem sido um parto. Na greve passada, deste ano, daqui dos petroleiros, a coisa foi muito difícil.
No final, a sensação é que tá todo mundo neném, todo mundo tateando tudo e não lendo que o outro lado da luta social evoluiu, mudou a tática bem como seu plano de imanência. 

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